Uma ficção cientifica que apresenta uma forte reflexão sobre os ditames de uma revolução teocrática, que revela normatizações e dogmas existentes na dita civilização ocidental. Põe luz sobre prerrogativas politicas sociais e administrativas e as relações, especialmente a relação homem-mulher. Apresenta um moralismo autoritário e unilateral, que lança uma luz de dúvidas e angustias ao discurso contemporâneo atual de direitos entre os gêneros. Deveríamos tomar como um alerta!
Trechos:
"Quando eu sair daqui, se algum dia conseguir registrar isso, de qualquer modo, mesmo sobre a forma de uma voz para outra, será uma reconstrução também, em um grau ainda mais distante. É impossível dizer alguma coisa exatamente da maneira como foi, porque o que você diz nunca pode ser exato, você sempre tem de deixar alguma coisa de fora, existem partes, lados, correntes contrárias e nuances demais; gestos demais, que poderiam significar isto ou aquilo, formas de mais que nunca podem ser plenamente descritas, sabores demais, no ar ou na língua, semitonalidades, quase cores, demais. Se acontecer de você ser homem, em qualquer tempo no futuro, e tiver chegado até aqui, por favor lembre-se: você nunca será submetido à tentação de sentir que tem de perdoar um homem como uma mulher. É difícil de resistir, acredite. Mas lembre-se de que o perdão também é um poder. Suplicar por ele é um poder, e recusá-lo ou concedê-lo é um poder, talvez de todos o maior.
Talvez nada disso seja a respeito de controle. Talvez não seja realmente sobre quem pode possuir quem, quem pode fazer o que com quem e sair impune, mesmo que seja até levar à morte. Talvez não seja sobre quem pode se sentar e quem tem que se ajoelhar ou ficar de pé ou se deitar, de pernas arreganhadas. Talvez seja sobre quem pode fazer o que com quem e ser perdoado por isso. Nunca me diga que dá no mesmo" (163/165).
"Eu gostaria que essa história fosse diferente. Gostaria que fosse mais civilizada. Gostaria que me mostrasse sob uma luz melhor, senão mais feliz, pelo menos mais ativa, menos hesitante, menos distraída por trivialidades. Gostaria que tivesse mais forma. Gostaria que fosse sobre o amor, ou sobre súbitas tomadas de consciência importantes para a vida da gente, ou mesmo sobre cores de sol, passarinhos, temporais ou neve.
Talvez seja sobre todas essas coisas, em certo sentido; mas nesse meio-tempo há tantas outras coisas interferindo no caminho, tanto sussurrar, tanta dúvida e suposições a respeito dos outros, tanta bisbilhotice que não pode ser averiguada, tantas palavras não ditas, tantos movimentos furtivos e sigilo. E existe tanto tempo para ser suportado, tempo pesado como fritura e cerração espessa; e então simultaneamente esses acontecimentos em vermelho, como explosões, em ruas de outra maneira seriam decorosas e matronais e sonambúlicas.
Lamento que haja tanto sofrimento nessa história. Lamento que esteja em fragmentos, como um corpo apanhado num fogo cruzado ou desfeito em pedaços à força. Mas não há nada que eu possa fazer para mudá-la" (315).
"Ao contar a você qualquer coisa que seja, pelo menos estou acreditando em você, acredito que esteja presente, ao acreditar faz com que você exista. Pelo fato de estar lhe contando esta história determino a sua existência. Conto, portanto você existe" (316).
"...A humanidade é tão adaptável, diria minha mãe. É verdadeiramente espantoso as coisas com que as pessoas conseguem se habituar, desde que existam algumas compensações" (320).
